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quarta-feira, 21 de dezembro de 2005
48) Contra a isonomia de salarios e da carreira no magisterio
O que se segue são reflexões pessoais sobre a possibilidade de remuneração diferenciada para professores conforme o desempenho do docente e do aluno
A Constituição Federal de 1988, em seu o Artigo 206, estabelece alguns princípios educacionais que apresentam interesse para a questão da remuneração do magistério, podendo ser citados os seguintes:
“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais do ensino, garantido, na forma da lei, plano de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União;”
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) oferece, por sua vez, regras similares para o tratamento do pessoal do magistério:
“Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público:
III - piso salarial profissional;
IV - progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho;”
A Carta federal e a LDB parecem, numa primeira abordagem, bastante flexíveis na atribuição de competências diferenciadas ou concorrentes entre os entes federados e entre o setor público e o privado no oferecimento dos serviços educacionais, havendo uma concentração preferencial dos municípios no ensino fundamental, dos estados no segundo ciclo e da União no ensino superior. Mas, a própria CF e os estatutos do magistério também impõem, inclusive em virtude da conhecida tradição centralista e burocrática da administração pública brasileira, amarras poderosas no que tange à questão salarial. Entre essas amarras situam-se a isonomia no que se refere a salários e à carreira, que constituem poderosos fatores de letargia e acomodação na performance do setor educacional brasileiro.
Como afirmado no inciso V do artigo 206, um desses princípios é o piso salarial profissional e a existência de um “regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União”, o que vale, por extensão, para os demais entes federados igualmente, que tendem a equalizar o estatuto e as regras de contratação e de remuneração de todos os profissionais do magistério, nos âmbitos estadual e municipal. O princípio da isonomia de salários e de carreira está invariavelmente presente em todos esses estatutos.
A experiência histórica brasileira aponta para a unificação progressiva dos regimes contratuais no setor educacional, com forte pressão corporativa para um tratamento igualitário, seja entre os níveis de ensino, seja no que se refere à natureza dos estabelecimentos (pública ou privada). No que se refere, por exemplo, ao ciclo superior, o surgimento da UnB, sob a forma de fundação, deixou antever a possibilidade de um regime flexível na admissão de seu pessoal próprio, inclusive pelo regime da CLT, em bases puramente contratuais, portanto. Com o passar dos anos, todavia, as pressões corporatistas, tendentes a atribuir a esse pessoal os mesmos privilégios dos funcionários públicos – em especial, a estabilidade e a aposentadoria integral – terminaram prevalecendo, atribuindo-se a todos eles o estatuto do funcionalismo público, com regras salariais rígidas, criteriosamente monitoradas pelos sindicatos das várias categorias.
O setor privado é, em princípio livre para remunerar o pessoal contratado nos níveis que julgar adequados, mas a pressão das entidades sindicais atua, igualmente, no sentido de colocar os salários em níveis similares para a mesma categoria. O que terminou ocorrendo, independentemente de variações salariais entre estados e municípios e em função da natureza da instituição, foi uma equiparação absoluta dos índices de remuneração do pessoal do magistério, independentemente dos níveis necessariamente diferenciados de produtividade ou de empenho profissionais.
Ora, um dos princípios da atividade econômica, e sobretudo do progresso social, é a existência de estímulos adequados à iniciativa individual e ao esforço próprio de cada agente econômico envolvido numa determinada atividade, entendendo-se assim os incentivos materiais ou aqueles ligados ao prestígio social vinculado ao desempenho dessa atividade. Outra não é a rationale do sistema patentário ou de outras formas de propriedade intelectual, assim como a dos “prêmios” ou adicionais de produtividade existentes no setor privado, como forma de estimular a dedicação e o empenho dos agentes econômicos, quer eles trabalhem em regime assalariado clássico, quer sob outras formas contratuais. A busca de qualidade na “feitura” de algum produto ou serviço quaisquer está sempre ligada à percepção de que essa melhoria de qualidade – ou aumento da produtividade no trabalho – será justamente recompensada por algum ganho material ou social pertinente.
O mesmo princípio deveria valer para o setor educacional, cujo desempenho e qualidade – aferidos em testes aplicados aos alunos, segundo critérios objetivos – estão diretamente vinculados ao grau de preparação e dedicação demonstrados pelo professor. Esse reconhecimento foi feito em diferentes países, sobretudo no nível universitário, com um retorno assegurado em termos de performance nas atividades de ensino e pesquisa, o que se manifesta na excelência da ciência e da tecnologia derivadas da diferenciação salarial vinculada aos estímulos materiais concedidos aos desempenhos de maior produtividade. Nos ciclos iniciais do ensino (básico, portanto), a questão não se coloca tanto em termos de “produção” de ciência e tecnologia, mas de desempenho escolar, medido objetivamente em testes integrando o chamado PISA (Programme for International Student Assesment). Nesses testes, o desempenho escolar brasileiro tem sido próximo do catastrófico, inferior mesmo ao de muitos outros países de renda per capita similar ou inferior à do Brasil.
A existência, no Brasil, de equanimidade (ou de isonomia) no tratamento salarial atua como uma barreira e um desestímulo a um desempenho superior e diversificado por parte dos agentes individuais do setor educativo. A defesa dos interesses corporativos do magistério por esse poder paralelo (e externo às entidades educacionais) que são os sindicatos acaba, por outro lado, nivelando o piso salarial dos professores no mínimo denominador comum, isto é, nos níveis salariais aceitáveis para o conjunto da categoria e suportáveis pela instituição pagadora (pública ou privada). No plano conjuntural, são conhecidas as limitações fiscais a uma grande expansão de gastos públicos no setor educacional público, ademais de outros fatores estruturais que tendem a drenar os recursos existentes para o sistema de ensino superior. Mesmo com a previsão de algum aumento no volume de recursos totais dirigos ao ensino básico – como resultado da aprovação do FUNDEB – não se vislumbra uma melhoria dramática nos níveis de remuneração do magistério engajado nos primeiros ciclos de ensino, com o que permaneceria certo desestímulo financeiro e o consequente desprestígio social associados à carreira de professor.
O grande desafio para o aumento da qualidade do ensino no Brasil parece, assim, ser a capacidade do administrador público (e da própria sociedade) de lograr estabelecer políticas diferenciadas na gestão do pessoal, na fixação dos salários, na busca de maior racionalidade nos gastos com pessoal, assim como certo equilíbrio ou proporções mais justas entre despesas correntes e gastos com os investimentos e a manutenção dos equipamentos. A solução inovadora passa, necessariamente, pela premiação diferenciada atribuída ao desempenho individual e ao esforço do agente engajado na melhoria de sua produtividade no ensino.
A questão que se coloca, portanto, é a de saber se o Brasil será capaz de romper com a paralisia existente nessa área, introduzindo formas inovadoras de remuneração ou de incentivo ao professor do ensino básico. O consenso será certamente difícil de ser atingido, tendo em vista a natureza essencialmente conservadora e defensiva das entidades e associações de defesa dos interesses da classe, mas a preservação dos mesmos modelos registrados na presente situação tende a preservar o status quo e manter a inércia na busca pela melhoria da qualidade do ensino nas instituições públicas.
Incentivos setoriais para professores
Incentivos setoriais criados por determinação política – e que não passam, portanto, pelos mecanismos de mercado e pelo sistema de preços – tendem a criar distorções no jogo econômico da sociedade, uma vez que os agentes ou os setores excluídos das possíveis benesses fiscais ou tributárias, ou premiados com algum tipo de subsídio implícito ou explícito, buscam equalizar as condições de competição no mercado lutando por concessões similares ou superiores, com o que se estabelece uma corrida para ganhos exclusivos que acaba atuando em detrimento das áreas ou setores não contemplados pelo tratamento especial assim concedido, setores que, de forma não surpreendente, soem ser a maioria da sociedade.
Independentemente das sinalizações exclusivas – e excludentes – que possam, portanto, estar associadas a qualquer regime econômico de incentivos setoriais, parece haver um forte caso a favor dos incentivos vinculados ao setor educacional, uma vez que ele constitui a base de toda e qualquer possibilidade de progresso social e de inovação tecnológica. A criação de riqueza e a transformação estrutural dos processos produtivos estão diretamente associados, como é conhecido na literatura, aos ganhos de produtividade do trabalho humano, que se manifestam sob a forma de know-how, tecnologia, inovações incrementais nos processos produtivos e invenções revolucionárias em relação ao estado da arte. A base dos ganhos nos índices de produtividade do trabalho humano é constituída, inquestionavelmente, pela qualidade dos recursos humanos, vale dizer, pela educação de qualidade, o que coloca em primeiro plano a figura do professor (ao lado, obviamente, dos materiais de ensino, que tendem a ser produzidos por outros professores, e dos equipamentos de comunicação e sistematização de dados).
Tendo em vista a centralidade da posição do professor em qualquer sistema eficiente de aprendizado e transmissão de conhecimento, as sociedades deveriam atribuir o devido destaque social e uma adequada remuneração financeira a essa figura impar do processo de reprodução social. Ao lado dos sistemas remunerativo—salários e ganhos de aposentadoria – e de incentivo – adicionais por desempenho profissional –, caberia pensar, talvez, em mecanismos fiscais de estimulo à carreira e à atividade magisterial. Esses mecanismos podem estar contemplados em deduções tributárias nos ajustes anuais do sistema impositivo ou em linhas de crédito vinculadas à aquisição de bens diretamente relacionados com a atividade magisterial. Outro sistema possível de ser contemplado seria a concessão de bolsas de estudos para formação e aperfeiçoamento nas áreas vinculadas ao exercício da profissão, assim como licenças remuneradas em estilo de ano sabático.
Os sistemas existentes, eventualmente em extinção, se referem à aposentadoria integral e ao período menor de atividade profissional com recolhimento previdenciário, o que caberia revisar do ponto de vista da equidade nos sistemas público, inclusive do ponto de vista das vantagens adicionais atribuídas por motivo de gênero (profissional feminina).
A questão que se coloca é a de saber se cabe, adicionalmente ao estabelecimento de níveis de remuneração compatíveis com o prestígio que deveria normalmente associado à carreira de professor, a definição de formas de remuneração ou de incentivo vinculadas ao desempenho do professor no desempenho efetivo de sua atividade docente.
Brasília, 20 de dezembro de 2005.
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