terça-feira, 27 de dezembro de 2005

80) Marxismo: de volta a um tema de juventude...


Percorrendo o mundo dos blogs (e que mundo...), fui levado a um de nome estranho: "Nariz Gelado", ilustrado com uma imagem de índio norte-americano. Não importa, lá estava uma frase do inesquecível Nelson Rodrigues que me levou a meus tempos de juventude (e da primeira maturidade também), relativo ao marxismo no Brasil. Reproduzo-a aqui, com o respectivo link:

"No Brasil, o marxismo adquiriu uma forma difusa, volatizada, atmosférica. É-se marxista sem estudar, sem pensar, sem ler, sem escrever, apenas respirando."
Nelson Rodrigues
Blog "Nariz Gelado", 18.12.2005.

Pois bem, o que de interessante revela essa frase do jornalista policial, dramaturgo, cronista regular (sobretudo futebolístico) da imprensa escrita e provocador profissional (nessa ordem) Nelson Rodrigues? Provavelmente a ascensão irresistível da ignorância no Brasil, mesmo em assuntos de marxismo, o que talvez não deva surpreender, tendo em vista a deterioração progressiva do ensino público de modo geral, de todos os níveis e em todas as vertentes.

Não sei exatamente quando Nelson Rodrigues pronunciou essa frase (estou assuntando), mas de fato esta é uma constatação que posso fazer por experiência própria.

A foto que ilustra este post refere-se à visita de Jean-Paul Sartre e de Simone de Beauvoir ao Brasil, em 1960, quando eles fizeram diversas conferências sempre acompanhados por intelectuais brasileiros (o que aparece na frente da foto é Jorge Amado, membro, quase agnóstico, do Partidão). O casal francês, então os representantes en titre do marxismo acadêmico, causaram bastante frisson nos lugares em que passavam, sempre acompanhados pela crème de la crème de la soi-disante intelligentzia tupiniquim.

Stalinistas, trotsquistas ou independentes, em todo caso, liam e se informavam, ao contário do que vemos hoje. Nesses tempos da brilhantina, jovens interessados em marxismo liam furiosamente tudo o que podiam encontrar do velho barbudo e toda a literatura disponível no mercado (não era muita, infelizmente). Mas eu me lembro de, muito jovem, ter lido uma análise honesta (por um cônego, Heraldo Barbuy) sobre o marxismo (publicada pela Agir) e vários livros editados pela Calvino, pela Vitória e outras editoras de afiliação comunista. Uma tradução, a partir do francês, de uma edição abreviada do Capital, se não me engano por J. Duret, me consumiu várias semanas de leitura paciente e anotada, tentando entender os segredos da mais valia e da tendência à baixa da taxa do lucro.

Duas décadas depois, as únicas coisas que eu via os jovens "esquerdistas" lerem eram a vulgata marxista ordinária de Marta Harnecker, que nem merece o nome de literatura marxista, e o arremedo de "explicação histórica" sobre a "exploração" da América Latina pelo mais perfeito idiota latino-americano que jamais existiu, Eduardo Galeano, o tal de "Veias Abertas", que ainda passa por livro sério em certos setores, apenas porque coloca todas as razões do nosso atraso no imperialismo.

A deterioração do marxismo culto no Brasil é de fato irremediável, e já não se consegue mais encontrar alguém que tenha lido alguma coisa do filósofo de Trier.
Tenho a impressão de que a revolução vai ter de esperar mais um pouco...

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