quarta-feira, 4 de janeiro de 2006

110) Think Again (1): Independência financeira?


Think again, ou traduzindo: “pense duas vezes”! Antes de tomar qualquer decisão, que possa comprometer sua situação presente ou futura, reconsidere todos os dados do problema em causa e veja se a sua escolha é a mais apropriada possível.
Vou começar uma nova série de “pílulas reflexivas”, sob o signo do popular “pense duas vezes”, na qual pretendo oferecer alguns elementos de ponderação quando se está em face de alguma questão que parece recolher a unanimidade do senso comum, isto é, que dispõe de um quase consenso, generalizado entre o distinto público e os chamados formadores de opinião, oferecendo, de meu lado, uma outra visão do problema. Esse tipo de atitude se justifica, numa primeira abordagem, por meu espírito “contrarianista” – ou seja, provocador e rebelde às “verdades reveladas” – mas ela também pode ser legitimada pelos argumentos de racionalidade que pretendo trazer à discussão de um determinado problema.

Começo por uma situação muito simples: a desejável e desejada independência financeira de todos nós, condição para uma vida tranqüila e livre de aborrecimentos.
Pense bem: você tem um empréstimo hipotecário, para construir ou comprar sua casa, e, pelo empréstimo favorecido nessa linha de crédito – digamos 6% ao ano, o que pode parecer uma aberração no Brasil, mas é muito comum lá fora –, você está pelo “seu” banqueiro obrigado a manter uma caderneta de poupança naquela instituição, com a qual você se comprometeu a depositar, todo mês, 3% dos seus vencimentos ou salários, recebidos naquele mesmo banco. Essa é uma maneira de o seu banqueiro ter acesso a um dinheiro fácil, pelo qual ele paga os juros modestos do mercado da poupança, em contrapartida dessa disponibilidade de um empréstimo igualmente a juros mais facilitados do que as taxas comerciais habituais, geralmente o dobro do empréstimo hipotecário.
Você se incomoda e legitimamente se aborrece com essa imposição do banqueiro, de praticamente congelar 3% dos seus rendimentos mensais, durante toda a duração do empréstimo, e quer se ver livre dessa obrigação.
O que você faria?: dispensaria o empréstimo hipotecário a 6% ao ano, acoplado a essa obrigação “poupadora” de 3% ao mês, e o trocaria por um empréstimo livre de quaisquer obrigações, mas acoplado a uma taxa de juros de 10 ou 12% ao ano? Acho que você pensaria duas vezes antes de cometer tão tresloucado gesto, não é mesmo?

Pois, acredite: essa atitude de racionalidade duvidosa acaba de ser adotada pelo Brasil e pela Argentina em relação aos empréstimos do FMI, exatamente assim. Em nome de uma independência financeira que todo mundo preza, ambos os países acabam de trocar um empréstimo a juros camaradas, dessa tiazona severa que é o FMI, pelas incertezas dos empréstimos de mercado, nos quais as condições são mais lenientes mas as taxas mais extorsivas.
De fato, os empréstimos dados por essa rígida senhora que se chama FMI – ela é uma tia rica, mas está longe de cobrir indefinidamente o seu cartão de crédito – são feitos no âmbito de “programas de ajuste” que geralmente implicam em redução de déficits orçamentários, eliminação de subsídios inadequados, redução de despesas públicas, abertura comercial, liberalização econômica e, last but not the least, uma severa cura de emagrecimento que se traduz na tradicional obrigação do “superávit primário” (parcela das receitas correntes dedicada ao pagamento dos juros da dívida pública). Tudo isso pode parecer redutor da soberania, limitador da sua independência política e, cá entre nós, tremendamente “recessivo”, pois impede “investimentos sociais” e outros gastos públicos nas áreas consideradas “estratégicas” ou “indutoras de crescimento e de emprego”.
Não é isso que você tem ouvido recentemente?: “ganhamos, finalmente, a nossa independência, ficamos livres do FMI para decidir nós mesmos quais as melhores políticas econômicas para o nosso país, somos totalmente soberanos e não aceitaremos mais nenhuma imposição de ninguém...”

Pense duas vezes: você acha realmente um bom negócio dispensar um dinheiro barato, mas que vinha acoplado a uma obrigação de fazer economias adicionais, por um outro dinheiro, totalmente livre, mas para cujo serviço você se obrigou a pagar o dobro dos juros? Onde você está com a cabeça?: jogando dinheiro fora, arrumando um pretexto para gastar mais e depois ficar ainda mais endividado?
Think again!: quando alguém vir com justificativas políticas para o uso do seu rico dinheirinho, reconsidere os dados do problema, faça os cálculos e veja se é realmente melhor trocar o certo barato, mas constrangedor, pelo incerto e caro, com ares de plena independência financeira. Isso pode acabar custando caro.
E cá entre nós: aquela tia severa, que ralha com suas extravagâncias financeiras, pode não ser a melhor companhia para o almoço do domingo, mas ela está lá, sempre a postos para lhe garantir uma eventual ajuda em caso de necessidade emergencial, desde que você lhe prometa começar a fazer economias no mesmo momento.
Moral da história: nem sempre as tias severas são más conselheiras e nem sempre o banqueiro liberal é seu amigo sincero...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília (1522), 4 de janeiro de 2006

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