Um blog dedicado aos livros, às relações internacionais e aos problemas do desenvolvimento econômico e social, com ênfase nas questões da inserção internacional do Brasil. Ver outros trabalhos meus no site pessoal: www.pralmeida.org.
quinta-feira, 5 de janeiro de 2006
121) Think again (9): Dívida externa, movimentos de capitais e globalização financeira
Um traço que unifica as mais diversas correntes do movimento anti-globalizador é, sem dúvida alguma, sua oposição ao pagamento da dívida externa dos países mais pobres e, de modo geral, à livre movimentação de capitais financeiros. Outra medida, de caráter propositivo e não simplesmente negativo como a do cancelamento das dívidas – traduzidas na prática por “plebiscitos” tão canhestros quanto viciados em sua indução automática ao não-pagamento, sustentado de forma piegas na “miséria do povo” –, é a que apresenta uma taxação sobre a movimentação de capitais, dita Tobin Tax, como sendo o remédio milagre tanto à volatilidade financeira quanto ao problema do não desenvolvimento dos países mais pobres.
Mas, pense duas vezes: você acha, realmente, que a criação de uma taxa internacional sobre movimentos de capitais, ainda que factível, poderá, de fato, diminuir a volatilidade das aplicações especulativas ou servir para diminuir a miséria desses países mais pobres?
Rejeitada pelo próprio economista, James Tobin, que sugeriu um modesto controle sobre as aplicações cambiais no momento da derrocada do sistema de Bretton Woods, essa taxa, patrocinada especialmente pela vertente gaulesa do movimento anti – de onde retira o acrônimo ATTAC –, não apenas não resolveria o problema da volatilidade e da especulação, como se colocaria frontalmente contrária aos interesses de países emergentes tomadores de recursos, como o próprio Brasil.
Neste terreno das finanças internacionais, as simplificações dos anti são tantas e tão risíveis que resulta difícil sequer “dialogar” com representantes desse movimento, que parecem não ter idéias mínimas sobre como funcionam os mercados financeiros e que partes de responsabilidade compartilhada devem ser atribuídas em momentos como os das graves turbulências financeiras dos anos noventa do século XX.
Já escrevi o suficiente sobre as crises financeiras – em especial em meu livro Os Primeiros Anos do Século XXI, ver o cap. 10, “O Brasil e as crises financeiras internacionais, 1929-2001” – para voltar agora em detalhe sobre seus determinantes, as conseqüências econômicas de curto prazo e as possíveis lições do ponto de vista da globalização financeira (inclusive quanto aos necessários cuidados que se há de ter em relação a esse aspecto da globalização, necessariamente diferente da liberalização comercial, que sempre provoca efeitos positivos).
Não pretendo, em todo caso, contestar argumentos infantis e desprovidos de qualquer fundamentação histórica ou factual, como os alinhados por organizações como o “Jubileu 2000”, que promove uma sistemática campanha em prol da eliminação da dívida externa dos países mais pobres.
Registro aqui apenas um exemplo desse tipo de argumento:
“Resolver os problemas da dívida externa implica buscar saldar uma dívida histórica que os países do norte têm com os povos do sul como conseqüência do saque e da devastação que neles realizaram durante mais de 500 anos”.
Como se diz: contra esse tipo de afirmação não há argumento.
Sem dúvida que a dívida externa dos países mais pobres pode e deve ser diminuída ou mesmo eliminada, em certos casos, mas uma ação generalizada de cancelamento dessas dívidas faria mais mal do que bem ao conjunto dos países em desenvolvimento e emergentes, já que os retiraria dos mercados voluntários de capital por um tempo considerável, acumulando mais prejuízos do que benefícios.
Em relação aos movimentos de capitais puramente especulativos, vilipendiados tanto pelos anti-globalizadores como por alguns “globalizadores” – como por exemplo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – pode-se simplesmente relembrar que eles estão em todas as partes, em especial nos países mais avançados, mas são capazes de provocar prejuízos apenas naquelas economias que já enfrentam desequilíbrios, nas quais a volatilidade é um dado intrínseco, não extrínseco, ao sistema.
Controles podem ser utilizados, mas não são certamente a panacéia que alguns apregoam, sobretudo na forma permanente de restrições às entradas e saídas, de suposta paternidade keynesiana.
Movimentos mais livres de capitais, assim como maior grau de competição no sistema financeiro contribuem para o bom funcionamento de qualquer sistema econômico, mas níveis adequados de liquidez podem ser regulados por instrumentos tributários ao alcance de qualquer país.
Apenas a ojeriza atávica em relação aos mercados financeiros ostentada em certos círculos esquerdistas pode justificar algumas das medidas propostas pelos grupos anti-globalizadores: elas pertencem mais ao reino da paixão política do que ao terreno da administração sensata das relações econômicas internacionais.
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