Um blog dedicado aos livros, às relações internacionais e aos problemas do desenvolvimento econômico e social, com ênfase nas questões da inserção internacional do Brasil. Ver outros trabalhos meus no site pessoal: www.pralmeida.org.
domingo, 8 de janeiro de 2006
137) Em torno de um debate econômico
Um debate sobre processos econômicos
Paulo Roberto de Almeida
Tenho participado, nas últimas semanas, de um debate livre na Internet, por meio de uma lista de discussão, o Grupo “Mãos Limpas”, coordenado por um empresário de São Paulo.
O que segue abaixo é um exemplo de um troca-troca de argumentos, no qual eu posso parecer cáustico ou cínico, mas no qual tento fazer prevalecer a racionalidade econômica, contra o chamado senso comum...
Não aspiro ao monopólio da verdade, mas creio que algumas décadas de leituras atentas, de observação honesta da realidade e de muito estudo de questões econômicas, me habilitam a defender certas posições.
Feita a introdução, transcrevo aqui uma mensagem desta data, 8 de janeiro de 2006. Esclareço que meu “contendor” é Mtnos Calil, dai as iniciais MC antes de meus próprios argumentos.
(PS.: Costumo escrever mensagens sem acento na internet, salvo pequenas exceções, pois alguns servidores ainda rejeitam sinais diacríticos, substituindo-os por uma “sopa de letras” e outros sinais estranhos. É bem verdade que hoje em dia a maior parte dos provedores de acesso já superou a limitação dos sistemas ASCII, mas mantenho o velho hábito, pois ainda me acontece de receber “sopas de letras”...)
Mensagem de 8 de janeiro sobre o “Senso comum – PRA”:
Eu ainda nao havia comentado a mensagem abaixo do Mtnos Calil, nas seqüência do nosso debate sobre coisas e fatos da globalização e o que a economia política teria a dizer a esse propósito.
Respondo, embora rapidamente, dividindo as questoes como ele faz:
1) Distribuicao desigual de riquezas:
MC: Mais uma vez, PRA - 80% da renda mundial estão concentrados nas mãos 20% da população. Rendamo-nos à realidade dos fatos, para num segundo momento debruçarmo-nos sobre eventuais soluções. Não aceitar que o sistema que governa este mundo é cruel e injusto, fere o senso comum.
PRA: O fato de que a renda mundial é concentrada nao significa necessariamente que os 20 por cento estao se apropriando indevidamente, digamos, de uma parte da renda dos mais pobres, e que se isso nao ocorresse a renda seria igualmente distribuida. Isso simplesmente nao se sustenta. Pode haver alguma exploracao, ou extracao de recursos de certas zonas em favor de outras, mas isso é parte de qualquer sistema, interno ou internacional, e nao explica os fundamentos do problema.
A desigualdade se explica, basicamente, por diferenciais de produtividade do trabalho humano. Significa, assim, que aqueles 20 por cento da humanidade que concentram 80 por cento da sua renda sao muito mais produtivos do que o restante. As simple as that...
Respondendo à parte final: não aceito que o sistema que governa o mundo é cruel e injusto, simplesmente porque NÃO HÁ UM SISTEMA que governa o mundo, pois ele continua ingovernavel no plano mundial. Existem sociedades que se organizaram de formas diversas, algumas de forma mais eficiente do que outras, o que lhes habilitou nao apenas a dispor de maior bem estar para os seus cidadaos como, de certa forma, a extrair riquezas do resto do mundo. Este é um fato, mas só extrai riquezas que tem competencia para se estabelecer, nao quem quer...
Cruel e injusto? Não tenho certeza. O mundo atual é o resultado da historia, e ele hoje é certamente menos cruel e mais justo do que em epocas passadas.
E não há absolutamente nada que possa ferir o senso comum. Esta é a historia humana, talvez não muito dignificante, mas creio que a humanidade caminha para melhores dias. Afinal de contas já não se cortam mais linguas e orelhas dos inimigos capturados em guerra, já não se empalam individuos considerados inimigos e assim por diante.
2) Lógica formal e processos sociais
MC: Continuo na minha estratégia de não entrar no mérito de idéias e propostas e sim de estabelecer bases lógicas para o contraditório.
PRA: Se nao entrar no merito das ideias, seu raciocinio será falho e parcial. De toda forma, o itinerario historico da humanidade, com suas desigualdades distributivas, pode até seguir uma certa logica economica, mas nao obedece aos ditames da logica formal. Processos humanos nao sao "racionalizaveis" na base do que é moralmente correto deve prevalecer, e sim com base em relacoes de poder, de dominacao, de acumulacao, de vantagens acumuladas pelos que dispoem de maiores condicoes de competitividade. Essa ideia darwiniana, ainda que descartada parcialmente por suas implicacoes morais, ainda é a base dos processos humanos, sociais e naturais.
3) Conhecimento? Está livremente disponível...
MC: O meu ponto de vista é que não falta à humanidade conhecimento para resolver os seus problemas mais cruciais, sendo a miséria o mais crucial e urgente de todos.
PRA: Não, não falta. Ainda que existam milhões de pessoas ignorantes, e que a qualidade da educacao na maior parte dos paises seja deploravel, inclusive no nosso, quem frequenta a Internet sabe disso: 95 por cento de todo o ESTOQUE UNIVERSAL DO CONHECIMENTO HUMANO está livremente disponivel na Internet, bastando aceder a ele.
A "humanidade" tem conhecimento suficiente para resolver todos esses problemas cruciais, entre eles o da miséria e da desigualdade. O problema está em que isto custa alguma coisa, e como as sociedades estão organizadas em bases estatais, segundo os principios de Vestfalia, ainda nao é possivel ter o conhecimento e os processos economicos circulando livremente por ai, sem considerar o fato de que é preciso ter recursos minimos para aceder a esse conhecimento LIVREMENTE DISPONIVEL, volto a insistir.
O conhecimento proprietário, ainda que valioso e realmente estratégico, nao deve representar mais do que 5 por cento do necessario para resolver os problemas da miseria e da desigualdade da maior parte da humanidade (que precisa apenas de condicoes de producao e de atendimento basico de saude...).
4) Consenso sobre o óbvio? Infelizmente não haverá...
MC: "Precisamos antes estabelecer um consenso sobre esta realidade, baseado no sentimento de solidariedade com bilhões de seres humanos pobres e miseráveis que habitam este planeta."
PRA: A despeito do fato de que eu disse que não seria dificil resolver os problemas mais cruciais da humanidade, é evidente, pela simples amostra desta Lista, que não haverá consenso sobre essas solucoes. Eu, e alguns poucos, advogamos por um sistema economico livre e aberto, baseado na competicao e na inteligencia, que desde Adam Smith fez a prosperidade de muitos paises. Outros, que eu nao preciso mencionar, pretendem adotar outros caminhos. Nao me parece que as evidencias da historia militem em seu favor.
O fato é que, até a Revolucao Industrial, 95 por cento ou mais da humanidade, vegetava ao nivel da subsistencia, com ameacas recorrentes de fome, escasses, doencas e outros males. Desde entao, fizemos enormes progressos, mas a distancia de niveis de bem estar (grosseiramente medida pela renda per capita) entre os paises tambem aumentou tremendamente, talvez de 1 para 20 para mais de 1 para 200 hoje em dia. Isso nao quer dizer que os privilegiados o sejam porque passaram a explorar 200 vezes mais os pobres, apenas que sua produtividade aumentou tremendamente, ao passo que aqueles vegetam em niveis tipicos do Ancien Regime, ainda.
Solidariedade não é a palavra correta, e sim elevacao dos niveis de produtividade do trabalho humano, algo perfeitamente atingivel se as sociedades se organizam para o bem estar da maioria, nao para os beneficios de uma minoria, como ainda parece ser o caso entre nos...
5) Wishful thinking...
MC: "Tenho acómpanhado as declarações de dezenas e dezenas de economistas cuja grande maioria nem sequer faz uso do termo "miséria", o que revela crueldade, alienhação social ou simplesmente uma desconsideração humana por seus semelhantes. O amor ao próximo deveria ser o primeiro fundamento de qualquer regime social, econômico ou político."
PRA: Os economistas tratam justamente disso, a escassez, mas se eles nao demonstram amor ao proximo não é por perversidade, e sim por acreditar que existam instrumentos eficazes para diminuir a miséria humana. Esses instrumentos estão no crescimento da produtividade do trabalho humano, apenas isso. Amor ao próximo, sinto muito, nãoa resolve um pingo do problema, apenas representa um paliativo, na forma de distribuicao de riquezas previamente amealhadas por alguem. MAs é preciso existir esse alguem para que exista alguma riqueza que possa ser distribuida.
6) Etica do bem comum
MC: "Temos que integrar os fatos reais com principios de uma ética do bem comum para compor uma plataforma de entendimento. O consenso em torno do óbvio é premissa básica até para justificar posições divergentes."
PRA: Nada contra, apenas ressaltando que essa busca nao pode contrariar principios basicos da ciencia economica. Se não houver bens e recursos, simplesmente nao há prosperidade. As raizes das divergencias estão na forma de se conquistar a prosperidade. Alguns acreditam nas cornucopias infinitas, outros no trabalho duro...
7) Entendimento sobre conceitos
MC: "Globalização é outro termo que precisa ser definido. Para eu me posicionar a favor ou contra qualquer coisa eu apreciso ter a definição (ou um conceito abrangente) sobre o que é esta coisa. Acho um perfeito absurdo duas pessoas discutirem sobre a globalização sem antes estabelecerem um significado sobre o objeto da sua discussão. Isto simplesmente fere o senso comum e beira à esquizofrenia. O diálogo de surdos, tão comum em nossos dias, tem passado desapercebido a muitas pessoas, exatamente porque elas não param para se perguntar sobre o significado das palavras chaves em torno das quais se estabelecem as posições a favor e contra."
PRA: Não ha nenhum problema nisso, mas seria bom não nos digladiarmos por conceitos. Globalizacao significa simplesmente integracao de mercados, apenas e tao somente isto...
Quem quiser pode propor outro significado, mas nao retira a realidade do fato e do processo...
8) Apelo à lógica...
MC: "Faço-lhe novamente um apelo para tentarmos fazer da lógica a ferramenta básica de nossa comunicação, deixando de lado part pris liberais ou conservadores, estatizantes ou mercadizantes."
PRA: Não considero que esteja sendo ideologico ao refletir sobre o desenvolvimento da humanidade até aqui. Tudo o que eu digo pode ser aferido em estatisticas de orgaos internacionais, tipo ONU.
Existem paises ricos e paises pobres, existem pobres dentro de paises ricos e existem milionarios dentro de paises pobres, ao lado de muitos miseraveis. Esta é a realidade que temos de afrontar. A partir dai, divergem as propostas de solucoes. Eu sou a favor dos dados basicos da economia: mercados, instituicoes, pessoas conectadas em favor do crescimento da produtividade e da elevacao dos padroes de vida. Com base nas evidencias historicas, existem meios mais eficientes do que outros para se alcancar a prosperidade. Não adianta apeans querer replicar experiencias de outros paises, mas algumas evidencias são fatuais, nao ideologicas: mercados livres, por exemplo, funcionam melhor do que o planejamento centralizado. Se não fosse assim, teriamos dezenas de paises socialistas ainda hoje. Existe algum que seja um exemplo de sucesso?????
Era o eu que tinha a dizer.
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Paulo Roberto de Almeida
pralmeida@mac.com www.pralmeida.org
www.paulomre.blogspot.com/
Addendumde texto de debate anterior (6.01.06):
Quero crer que o Brasil se aproxima, hoje, de um quase consenso em torno das políticas econômicas mais favoráveis ao crescimento e à estabilização. Com exceção de alguns poucos economistas, de uma certa tradição muito conhecida entre nós, que ainda pedem protecionismo, controle de capitais e forte intervencionismo estatal – com os conseqüentes pedidos derivados, de redução compulsória dos juros e do superávit primário e de aumento dos investimentos públicos, independentemente de suas conseqüência fiscais --, creio que a maioria dos economistas hoje reconhece a importância do combate decidido à inflação (que é o principal imposto que atinge os mais pobres, aumentando as desigualdades distributivas) e a manutenção dos equilíbrios fiscal e orçamentário. Poucos se arriscariam a preconizar uma política de emissionismo irresponsável, de descontrole das contas públicas ou de protecionismo deslavado, com as demais políticas irresponsáveis nos campos fiscal, industrial, comercial ou tecnológico.
Se a despeito de tudo isso, o Brasil continua a NÃO CRESCER, como tenho afirmado, isto não se deve a uma perversão própria de nossas políticas macroeconômicas, a uma possível deterioração do meio ambiente internacional (que nunca foi tão favorável) ou a qualquer irresponsabilidade do Banco Central (ainda que todos reconheçamos que ele tem se mostrado excessivamente conservador na questão dos juros, mas os níveis dos juros reais já foram mais elevados em outras épocas). Isto se deve a FATORES ESTRUTURAIS que simplesmente inviabilizam um ritmo mais elevado de crescimento.
É sobre esses fatores que devemos atuar, se quisermos ser responsáveis: Estado desnecessariamente inflado e necessariamente despoupador dos recursos privados, tributarismo excessivo e irracional, incidindo sobre o processo produtivo de forma nociva, desincentivos à poupança e ao mercado de capitais, regulacionismo exagerado dificultando o meio ambiente de negócios, justiça lenta, tardia, falha, quando não corrupta, excesso de rigidez no mercado de trabalho, corporativismo exacerbado em todos os setores da sociedade (e não apenas no setor público e nos sindicatos de trabalhadores), enfim um conjunto de problemas que tenho me esforçado por esclarecer aqui.
Sei, por outro lado, que não haverá acordo entre minhas posições e as posições de pessoas que ainda colocam o Estado como o centro organizador da sociedade. É por ser assim, hoje em dia, que estamos pagando esse preço elevado em termos de corrupção política e dos costumes de modo geral. Como tudo passa pelo Estado, torna-se inevitável que os mais “espertos” aproveitem dessa “intermediação” para desviarem um pouco (ou por vezes muito) para si mesmos.
Estas são minhas concepções, que não são artigos de fé, mas conclusões a que cheguei com base nas evidências da história, num estudo honesto dos fatos e numa comparação objetiva com as experiências de outros países.
Voilà, é o que eu tinha a dizer...
PRA
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