Um blog dedicado aos livros, às relações internacionais e aos problemas do desenvolvimento econômico e social, com ênfase nas questões da inserção internacional do Brasil. Ver outros trabalhos meus no site pessoal: www.pralmeida.org.
quinta-feira, 29 de dezembro de 2005
89) Temas de Politica Externa (2): Relaçoes com o FMI
Foi um bom negócio ter pago adiantamente ao FMI o dinheiro emprestado ao Brasil por essa instituição no quadro acordo stand-by encerrado em março de 2005? O economista e professor Paulo Nogueira Batista Jr responde pela negativa.
Negócio da China?, Paulo Nogueira Batista Jr.
Folha de São Paulo, Seção: Dinheiro / Opinião Econômica
Data: 29/12/2005
Há poucos dias, o Brasil sacou cerca de US$ 15,5 bilhões de suas reservas para liquidar integralmente a dívida com o FMI, antecipando pagamentos que venceriam ao longo de 2006 e de 2007. Não me recordo de ter lido, na grande
imprensa brasileira, nenhuma crítica ou ressalva a essa decisão. E, no entanto, ela é discutível - para dizer o mínimo.
Note-se, primeiramente, que o Brasil desembolsou, de uma só vez, quase um quarto de suas reservas de liquidez internacional, que constituem a primeira linha de defesa em caso de turbulências de origem externa ou interna. Com isso, as reservas brutas voltaram ao nível em que se encontravam no final do ano passado (US$ 53 bilhões).
Não se pode dizer que estávamos nadando em reservas. O nosso estoque de ativos de liquide z internacional é baixo quando comparado ao da maioria dos principais países emergentes. A China, por exemplo, tem reservas brutas de
quase US$ 770 bilhões (sem contar US$ 122 bilhões de Hong Kong); a Rússia, US$ 165 bilhões; a Coréia do Sul, US$ 207 bilhões; a Índia, US$ 136 bilhões; o México, pouco mais de US$ 70 bilhões.
Outro aspecto pouco comentado: o Brasil antecipou o pagamento de uma dívida relativamente barata. Na verdade, o que o governo fez em 2005 foi substituir reservas baratas por reservas caras.
Do ponto de vista das contas públicas, a acumulação de reservas pode ser viabilizada de quatro maneiras, basicamente: a) com superávits fiscais nominais; b) com ampliação da base monetária; c) com acumulação de dívida
externa (com o FMI e outras fontes); d) com acumulação de dívida interna (mobiliária e outras).
Desde outubro de 2004 até o dia da antecipação do pagamento ao Fundo, as reservas brutas registraram aumento de aproximadamente US$ 18 bilhões. Como o governo tem déficits nominais e o crescimento da base monetária é modesto, as principais fontes de financiamento desse aumento das reservas foram a acumulação de dívidas externas (venda de títulos públicos no exterior em
excesso dos vencimentos de principal) e, sobretudo, a colocação líquida de títulos dentro do país (dívida mobiliária federal). Essa dívida mobiliária vem crescendo rapidamente, tendo alcançado R$ 960 bilhões em fins de
novembro, quase 50% do PIB.
Ora, a dívida mobiliária paga as elevadíssimas taxas de juro brasileiras, muito superiores às que prevalecem no resto do mundo. Carregar reservas internacionais financiadas por dívida mobiliária custa caríssimo para o
governo brasileiro: o que se obtém aplicando as reservas de forma segura e líquida no exterior representa uma fração modesta do que o governo paga de juros sobre os títulos emitidos dentro do país.
Em resumo, o que fez o governo? Primeiro: comprou cerca de US$ 18 bilhões em reservas, financiando-se sobretudo com dívida interna caríssima. Segundo: antecipou a devolução de cerca de US$ 15,5 bilhões de reservas relativamente baratas, emprestadas pelo FMI.
Alguma vantagem nisso? Segundo o governo, agora somos "donos do nosso nariz" e não precisamos mais dar satisfações ao FMI. Mas essa afirmação não faz muito sentido. Na realidade, o acordo com o FMI foi encerrado em março de 2005. Desde então, o Brasil ficou sujeito apenas ao "monitoramento pós-programa", muito leve e não muito diferente daquele a que estão submetidos todos os países-membros do Fundo, devedores ou não.
Não podemos esquecer que teremos eleições presidenciais no ano que vem. Admite-se, em geral, que 2006 não será tão turbulento quanto 2002. Mas quem pode garantir que haverá tranqüilidade total? Que o eleitor brasileiro não
irá demonstrar inclinação por algum candidato que os "mercados" (leia-se, os donos do dinheiro e do poder) considerem pouco confiável e desestabilizador?
E outra: quem garante que o ambiente internacional, comercial e financeiro, continuará tão favorável como nos anos recentes? Que não haverá choques externos na forma de desaceleração do comércio mundial, aumentos das taxas
de juro externas ou dificuldades de acesso aos mercados financeiros internacionais?
Não teria sido mais prudente conservar em caixa as reservas relativamente baratas emprestadas pelo FMI?
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Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
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