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segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

106) O terceiro-mundismo europeu, por um velho sábio...


Transcrevo trechos de entrevista concedida pelo politólogo italiano Giovanni Sartori ao El País, publicada no jornal O Estado de São Paulo deste domingo, 1º de janeiro de 2005 (a entrevista completa encontra-se neste link: http://txt.estado.com.br/editorias/2006/01/01/int010.html):

Europa sofre de ideologia suicida
Crise da esquerda criou o terceiro-mundismo e agora é preciso ser terceiro-mundista para ser de esquerda, diz analista

José Manuel Calvo
EL PAÍS

"Tudo o que penso, digo. Já não tenho idade para ter medo de algo." Giovanni Sartori sente-se livre. Livre para dizer o que quer, ainda que irrite ou escandalize. Com 81 anos completados em maio e depois de ter escrito mais de 30 livros, dezenas de ensaios e centenas de artigos, este sábio da ciência política e da comunicação, que recebeu o Prêmio Príncipe de Astúrias de Ciências Sociais em 2005, pode opinar que George W. Bush é "o pior presidente dos EUA" ou que a posição de Jacques Chirac na crise que levou à guerra no Iraque foi "uma vergonha". "Sempre estive à margem da correção política", diz. Provocador por natureza e com humor e saúde para beber um copo de vinho ao meio-dia, Sartori - que nasceu em Florença e divide o tempo entre Itália e EUA - não pára de trabalhar: "Quando alguém pára, envelhece."

(...)
O que acontece com a Europa política que o sr. critica?

A Europa padece de ideologias suicidas. Há um esquerdismo pacifista de origem parcialmente religiosa. A crise da ideologia da esquerda criou um terceiro-mundismo, uma lógica segundo a qual, para ser de esquerda, é preciso ser terceiro-mundista. Sou bastante esquerdista, mas não enxergo a relação. A esquerda sofre uma crise de identidade gravíssima. Creio que deveria adotar a causa da ecologia, abandonada pela direita, cujos interesses econômicos são tais que ela nem quer ouvir falar dessas coisas. Se a esquerda abraçasse essa causa, salvaria o planeta, teria um argumento sólido para lutar e beneficiaria também a si própria.

Como é esse terceiro-mundismo que o sr. rejeita?

É um movimento cego e suicida, com várias manifestações. Ninguém na Europa gosta da guerra ou quer guerra: tivemos guerras demais. Mas essa gente adota um pacifismo implacável que cria adversários fantoches, moinhos de vento. É um pacifismo absoluto, sem condições, que convida à guerra, à agressão. A esquerda mais ativista, em busca de nova identidade depois de ter perdido seus ídolos e referências, ficou sem ideologia e inventou a fuga para a esquerda, que é uma estupidez: é uma fuga de quem não tem idéias nem bom senso e cai no puro extremismo. Depois vem a esquerda reformista, que tenta deter isso. Mas há uma parte da esquerda ativa, bastante forte em toda a Europa, que pratica o extremismo puro e consegue seqüestrar a esquerda mais moderada. Esta outra esquerda poderia se recuperar se, entre outras coisas, se aproximasse da ecologia; mas está embebida demais na memória do próprio passado e não tem imaginação ou preparo para encarar um mundo sem as velhas ideologias mortas.

O sr. também qualificou de suicida o relativismo moral segundo o qual não se deve aplicar ou exigir códigos fixos de conduta.

Creio que a tolerância é o valor básico do pluralismo. Mas o relativismo é um comportamento suicida: se tudo equivale, nada vale. Os valores desaparecem. Mas sou antiquado, há valores que me agradam. O relativismo é uma doutrina que se pretende moderna e diz que todos os valores são iguais. É suicida porque assim não se pode criticar nada, tudo é bom, "a Al-Qaeda tem seus valores e estes devem ser respeitados". Creio que cada um deve ter seus valores e defendê-los. A tolerância nos diz que respeitemos os valores dos outros. Nós os respeitamos, mas isso não quer dizer que os aceitemos. Aceitaremos se chegarmos à conclusão de que são superiores. Essa história de que não se deve ofender ninguém, não se deve falar em choque de culturas... Se isso existe, existe; se não, muito bem. Não sei ao certo o que há de terrível em afirmar isso. Será preciso esconder a realidade? Se há duas religiões monoteístas, uma das quais se reanimou com a ajuda da TV, e há uma civilização teocrática, ideologicamente mobilizada e invasiva - as religiões monoteístas dizem que seu Deus é o único verdadeiro e o que fazem é a guerra santa, como fez o cristianismo -, então se cria um problema de defesa para os outros, que devem enfrentar o choque ou render-se.

Mas faltará fazer algum esforço para chegar a acordos, para compreender os outros.

Quanto a mim, entendo os outros perfeitamente. Li o Alcorão, li muita literatura, não sou bobo. Entendo-os maravilhosamente, e por isso digo que não quero ser assim. Isto é ofensivo? Sou um estudioso e, como tal, procuro entender o mundo. E procuro salvar a civilização na qual acredito, que é a ocidental, que tem sido melhor que as outras dos pontos de vista ético e político. Na sociedade liberal-democrática, quase todos podemos viver; não vamos para a cadeia sem um devido processo legal, etc. Isso é o que primou no Ocidente, o que conseguiu criar uma cidade política onde se pode viver, bastante livre, com ampla margem de segurança ao cidadão. É claro que tem inconvenientes, mas conta com tudo isso de que falamos.

Para esta ‘cidade política’ seria conveniente, em seu próprio interesse, ter menos inimigos.

O inimigo se cria sozinho, não é criado pelo Ocidente. O que se pode fazer? Uma sociedade liberal-democrática já faz bastante: aceita os imigrantes e os integra a sua organização social. Mas, como dizia Ronald Reagan, é preciso um par para dançar o tango. Se um não quer dançar, não há nada a fazer. Um exemplo: nem sequer somos capazes de definir o terrorismo. Por quê? Porque os países islâmicos não querem aceitar que os palestinos que matam italianos sejam definidos como terroristas. O que devemos fazer? Dizer que o terrorismo não existe? Não, o terrorismo existe e, se não conseguirmos achar uma definição jurídica comum com o mundo islâmico, teremos de manter a nossa. Claro que queremos paz. Quem quer a guerra hoje em dia? Mas isso não quer dizer que devamos nos render; temos de nos defender.

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