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domingo, 8 de janeiro de 2006

139) Cinco mitos econômicos mistificados por um prêmio Nobel


Em resenha-artigo publicada no jornal Valor Econômico (06.01.06, pág. A8), o economista e professor da UFRJ André de Melo Modenesi apresenta, enfeixados sob o título “Conselhos de ano novo para o ministro Palocci”, alguns mitos que o economista e prêmio Nobel Joseph Sitglitz se encarregou de desmantelar em seu livro Os exuberantes anos 90: uma nova interpretação da década mais próspera da história (do original em inglês: The Roaring Nineties: A New History of the World's Most Prosperous Decade).
O resenhista acredita que esse livro “deveria ser leitura obrigatória dos brasileiros, notadamente os formuladores de política econômica” e expõe os cinco mitos que o economista americano atribui aos organismos econômicos como FMI e OMC como se fossem “verdade suprema”, os novos “mantras” do chamado consenso de Washington. Modenesi também acredita que, no Brasil, “a maior parte da imprensa especializada, da academia e dos formuladores de política econômica realizou seu ‘dever de casa’ e transformou o mantra que emana de Washington em fundamento da política econômica”.
Apenas para não contradizer meu espírito contrarianista, pretendo contestar a apresentação dos cinco mitos contestados por Stiglitz, tal como apresentados pelo seu resenhista brasileiro. Vejamos se consigo desestimular os conselheiros econômicos a adotar os novos mantras de Stiglitz.

Stiglitz: Mito 1) “A redução do déficit público pode reverter uma recessão econômica. O que é incorreto pois, ‘no curto prazo, os déficits [públicos] podem ser absolutamente essenciais para a saída de uma recessão, e os custos econômicos e sociais de prolongar uma recessão são enormes, muito maiores do que os custos associados ao aumento do déficit’ (pág. 281). Este mito contradiz uma das primeiras lições de macroeconomia: a demanda agregada é igual a consumo + investimento + gastos do governo + saldo comercial. Uma redução de qualquer um de seus componentes (inclusive os gastos do governo) reduz a demanda agregada e, portanto, desacelera a economia.”

PRA: Trata-se de um falso mito, só incorporado nessa categoria pelo fato de que Stiglitz tem uma necessidade atávica de atacar as supostas políticas recessivas do FMI. Não há nenhum mito aqui e não há contradição com essa primeira lição da macroeconomia keynesiana, que continua válida. O FMI recomenda, sim, a redução dos déficits públicos em caso de forte desequilíbrio fiscal ou externo, para que isso não aprofunde a situação do país assistido. A intenção, mais bem, é a de reduzir os gastos públicos que contribuem para agravar o déficit, não eliminar despesas que possam aprofundar a recessão, se é verdade que a situação anterior era de recessão. Geralmente não se trata de recessão, mas de crescimento desequilibrado, com forte impulso inflacionário motivado justamente pelo excesso de gastos públicos. Por enquanto zero pontos para Stiglitz pelo não-mito.

Stiglitz: Mito 2) “Os mercados são conduzidos pela mão invisível. Ou seja, o livre jogo entre oferta e procura resultaria em um equilíbrio eficiente e o bem geral seria promovido pela busca do interesse particular, como propôs Adam Smith no século XVIII. O que não é verdade: ‘A competição nem sempre conduz a resultados eficientes’ (pág. 285).”

PRA: Outro falso mito, pois nem Adam Smith acreditava que a competição resolvesse todos os problemas, em especial aqueles vinculados a mercados imperfeitos, como podem ser os de bens públicos. Dizer que a “competição nem sempre conduz a resultados eficientes” não implica que a “não-competição” possa produzir qualquer tipo de eficiência. Zero pontos, de novo, para o suposto contestador de mantras washingtonianos.

Stiglitz: Mito 3) “O que é bom para o mercado financeiro é bom para os EUA e para o resto do mundo. O que é, no mínimo, extremamente ingênuo: ‘Os mercados financeiros não são a fonte da sabedoria; o que é bom para Wall Street pode ou não ser bom para o resto da sociedade; e os mercados financeiros são míopes’ (pág. 286-7). Ou seja, o mercado financeiro é um grupo de interesse como qualquer outro e os seus anseios não devem ser confundidos com as demandas dos demais grupos de interesse que existem no país. A negação deste mito é particularmente relevante, pois os interesses do mercado financeiro têm sido travestidos de uma espécie de vontade geral - algo que está acima dos interesses individuais, que ‘se prende somente ao interesse comum’, nas palavras de Jean-Jacques Rousseau.”

PRA: Pode até ser “extremamente ingênuo”, mas não se vê bem como isso possa constituir um mito e quem o praticaria, a não ser os próprios interessados de Wall Street. Mercados financeiros são tão míopes quanto qualquer outro mercado, uma vez que eles são formados por agentes individuais que, em princípio, não agem em colusão uns com os outros, e sim cada um buscando maximizar seus lucros. Considerar a vontade desses mercados como a “vontade geral” à la Rousseau só revela ingenuidade de quem faz esse tipo de afirmação. Continuamos com zero pontos na série de Stiglitz.

Stiglitz: Mito 4) “O Estado deve ser mínimo. O que é uma falácia, pois um Estado minimalista não é capaz de promover um bom desempenho econômico e o bem-estar social, pois ele desempenha ‘papel importante, embora limitado, não apenas nas correções das falhas e limitações do mercado, mas também na busca por justiça social’ (pág. 11).”

PRA: Esse tipo de afirmação é recorrente na pluma dos partidários do Estado “máximo”, mas confesso que ainda não encontrei quem proclamasse sua vontade de instaurar um Estado “mínimo”. O que tenho visto é liberais defendendo a idéia de que o Estado deve limitar-se às atividades típicas do Estado, deixando todo o demais para a iniciativa privada. Outro falso mito, alimentando uma pretensa fúria liberalizadora e redutora do Estado que ainda não se materializou na prática em nenhum país.

Stiglitz: Mito 5) “O capitalismo americano é um modelo de organização socioeconômica a ser adotado pelo resto do mundo. O que causa arrepios a qualquer um que tenha mínima noção de antropologia social: ‘O sistema econômico americano tem enormes méritos, mas não é o único que funciona; outros sistemas podem funcionar melhor para outras nações’ (pág. 289).”

PRA: Tampouco tenho visto programas de “exportação” de capitalismo americano para o resto do mundo, como se se tratasse de alguma mercadoria prêt-à-porter. O que se vê, geralmente, são esses livros para executivos, avidamente consumidos mundo afora, como se eles representassem algo mais do que banalidades para encantar executivos em busca de novas idéias, qualquer idéia, para alimentar conversas com superiores da companhia. Cada país tem a sua história, única e original, e instituições nacionais, dificilmente transportáveis ou “importáveis” por outros países. Não se vê onde está o mito, que mais uma vez é construído por Stiglitz apenas para refutá-lo à sua maneira.

O resenhista brasileiro vai mais longe e pretende dirigir esses conselhos ao presidente Lula e ao ministro Palocci, como se estes estivessem, de verdade, submetendo o país “à disciplina dos mercados financeiros”.
Modenesi afirma, em especial: “ministro, em economia tudo tem o seu custo, isto é, há sempre um trade-off; um superávit primário de 5% do PIB é excelente para Wall Street e para a avenida Paulista, também, mas não é tão bom assim para o resto do país, não...”.

Inacreditável! O resenhista não parece perceber que o superávit primário – que é apenas isso, primário, não compensando o déficit nominal, isto é, real – conduzido pelo governo não visa atender a avenida Paulista, mas honrar contratos assinados e assumidos pelo governo. Ou o resenhista está de fato propondo que o governo aplique um calote nos mercados financeiros da Avenida Paulista? Algum dirigente responsável seria capaz de preconizar uma medida desse tipo?

O fato de um prêmio Nobel esgrimir alguns mitos construídos sob conveniência não lhes confere ares de autenticidade, como se sua palavra fosse um mantra infalível. Parafraseando o resenhista, o que realmente surpreende é ouvir uma personalidade com a autoridade de um professor universitário repetir afirmações gratuitas da boca de um prêmio Nobel e achar que isso lhes dá status de genialidade apenas porque vêem marcadas com o selo do prêmio Nobel. Parece que o complexo de colonizado não afeta apenas os supostos aliados de Wall Street, mas também os economistas ditos de oposição.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 8 janeiro 2006

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu sei que esse é um comentário bem tardio é que estava pesquisando sobre o Consenso de Washigton e adorei sua crítica em relação a resenha do Modenesi. Acho que é um dos únicos da minha pesquisa que crítica o Senhor Premio Nobel. Infelizmente, nós alunos temos que venera-los na prova se quisermos um nota para passar... E acabamos com nosso senso crítico.
Obrigado por lembrar que ainda existe minha opnião sobre assunto.
(que infelizmente não poderei usar na minha prova )
Quem sabe um dia ?